O crescimento dos investimentos em infraestrutura, impulsionados por pacotes do governo, tende a tornar a disputa por engenheiros ainda mais acirrada no mercado de trabalho. Uma das áreas que mais sofrem com isso é a financeira, que ao longo dos últimos anos absorveu boa parte desses profissionais. Além disso, o desempenho mais fraco dos bancos e fundos, pressionado por mudanças no cenário macroeconômico do país, tem reduzido o poder de atração e retenção de talentos da engenharia para essas instituições. Por Carolina Cortez | De São Paulo Como resposta, essas empresas têm recorrido a um outro tipo de profissional - também especialista em cálculos complexos - para preencher vagas nas áreas de análise de risco, modelagem e precificação: os matemáticos. De acordo com Joseph Teperman, diretor e headhunter da Flow Executive Finders, a demanda por matemáticos no setor financeiro cresceu 30% em 2012, assim como os salários oferecidos a esse profissional. "Bancos, seguradoras e até fundos estão buscando alternativas à escassez de talentos de exatas", afirma. Segundo Teperman, o setor de infraestrutura ficou estagnado por muitos anos no país e, ao passo que o financeiro crescia, os engenheiros eram fisgados para áreas que demandavam muito cálculo e raciocínio lógico, como gestão de risco. "Entretanto, o volume de investimentos em obras tem crescido exponencialmente, levando os engenheiros recém-formados para suas áreas de origem", explica. Para Alexandre Attauah, gerente da divisão de finanças e contabilidade da Robert Half, não é apenas o setor financeiro que tem demandado mais matemáticos, mas também departamentos ligados à gestão de riscos em indústrias e serviços. "O trabalho base, que implica em cálculos e análises estatísticas, pode ser perfeitamente desenvolvido tanto por engenheiros quanto por matemáticos e até por físicos, atuários e estatísticos." Quando soube que o Itaú procurava matemáticos em seu programa de trainee de 2011, Frederico Augusto Generoso, de 25 anos, recém-formado pela Universidade Federal de Minas Gerias (UFMG), resolveu se inscrever. "Não é comum encontrar processos nessa área e achei que seria uma boa oportunidade", lembra. Ele conta que havia ingressado na graduação para se tornar professor, mas está gostando do mercado financeiro, onde pretende seguir carreira. Na instituição, já foi promovido a analista sênior para a área de precificação do Itaú Seguros. O departamento, inclusive, não conta com engenheiros, apenas matemáticos, estatísticos e atuários. "O mercado financeiro está cada vez mais aberto para bons profissionais de outros ramos de exatas", diz. Segundo ele, o que mais lhe atrai no atual emprego é a aplicação prática das ferramentas teóricas aprendidas em sala de aula. Em sua opinião, inclusive, a falta de "praticidade" da graduação é o maior motivo do elevado índice de evasão nas universidades. "Só metade dos meus colegas de curso se formaram comigo. Há muita desistência, pois são poucas as opções tradicionais de trabalho: academia ou setor público", afirma. Para Generoso, a maior parte dos desistentes migra para a engenharia, um setor que permite "materializar" a matemática. A superintendente de atração e seleção do Itaú, Marcele Correia, revela que tem se surpreendido com o aumento da procura de matemáticos por vagas no mercado financeiro. "Há poucos anos quase não tinha inscrição desse profissional nos nossos processos voltados à área de riscos. Tenho percebido um interesse muito maior de pessoas com essa formação", diz. Sem revelar números, Marcele conta que cresceu muito a quantidade de inscrições de matemáticos também no programa Itaú de Portas Abertas, evento voltado a estudantes que querem conhecer mais sobre o banco. "É perceptível, também, uma mudança o perfil desses jovens. Antes, eles eram bastante acadêmicos. Hoje, querem ser mais práticos", diz. Para o profissional com elevado coeficiente intelectual e raciocínio lógico aguçado, não faltará oportunidade de trabalho no mercado financeiro. "Encontrar talentos está muito difícil em um segmento de elevada concorrência", diz Marcele. Segundo Fabiana Kirslys, coordenadora de recrutamento e seleção da Porto Seguro, as características que o mercado financeiro demanda do matemático também evoluíram. Antes, quem escolhia atuar em uma instituição do setor era responsável apenas por gerar dados. "Atualmente, ele tem de saber interpretar as informações que produz. O foco deixa de ser a tarefa e passa a ser a estratégia do negócio." Ainda mais em tempos de incertezas, tendo em vista a crise internacional, um profissional que saiba trabalhar com modelos matemáticos para mitigar riscos é fundamental. "Esse profissional tem competência, inclusive, para potencializar investimentos, traçando fórmulas de combinações de ativos que maximizam retornos financeiros às instituições", destaca João Carlos Prandini, professor do MBA de Finanças Quantitativas da Fipecafi. O matemático Victor Bernardes, gerente de planejamento, informações gerenciais e "pricing" da Brasilprev, sentiu de perto essa tendência ao longo de sua carreira no mercado financeiro, que já dura 14 anos. "O matemático capaz de correlacionar informações e analisar dados tem encontrado boas oportunidades de crescer no segmento financeiro", afirma. Ele, que começou como estagiário em 1998, hoje gerencia uma equipe de dez analistas, composta por matemáticos, atuários, contadores, economistas e administradores - mas nenhum engenheiro. Para Bernardes, no entanto, o currículo da graduação precisa ser reformulado para atender às novas demandas. "Não tem aula de matemática financeira na grade tradicional, por exemplo". O professor Carlos Tomei, da PUC-Rio, concorda. Para ele, a busca por profissionais capazes de quantificar riscos cresceu de forma significativa com o estouro da crise financeira, em 2008, mas a grade curricular não tem acompanhado às exigências do mercado. "No Brasil, por uma questão burocrática dos órgãos que fiscalizam as instituições de ensino, as disciplinas dos cursos devem seguir um rígido padrão, dificultando a interdisciplinaridade tão desejada pelas empresas", afirma. Para atender as demandas do dia a dia corporativo, contudo, a PUC-Rio lançou, em 2011, um laboratório de "automated trading", uma plataforma de investimentos que usa algoritmos. Com a ajuda de alunos de matemática e engenharia da própria faculdade e de parceiros como ITA, FGV e UFRJ, o projeto foi batizado de EconoFinance. "O objetivo é criar mão de obra qualificada em exatas para o mercado financeiro", explica o coordenador e professor Carlos Júlio Nóbrega, que já foi vice-presidente do Credit Suisse em São Paulo. Recentemente, o projeto conseguiu um investidor para o lançamento de um fundo, o Saga EconoFinance. Com aplicações em renda variável e derivativos, ele usará apenas algoritmos matemáticos, modelo inspirado no americano Medallion. "O movimento ainda é incipiente no Brasil, mas a tendência é que as faculdades formem cada vez mais matemáticos para o mercado financeiro", afirma. Fonte: Jornal Valor Econômico.